Uma das questões mais interessantes na nossa freguesia tem a ver com o grafismo do seu nome. Actualmente coexistem duas variantes, “Cós” e “Coz”, parecendo haver alguma confusão quanto à forma correcta da designação. De forma a clarificarmos este assunto, procurámos investigar sobre o tema e chegámos a algumas observações curiosas.
Desde logo que o nome evoluiu ao longo do tempo e que a sua origem é incerta. Historiadores como Pedro Barbosa e Maria da Luz Moreira não excluem a hipótese de o nome ter uma origem árabe, podendo derivar de “al-qos”, que significaria “célula de eremita”, de onde teria derivado também o topónimo “Alcouce”. Outros autores, como José Pedro Machado, referem uma possível origem grega do nome: Kôs, pelo latim Cos (ao lado de Coos e Cous). Para percebermos a evolução do nome ao longo do tempo é importante que passemos brevemente em revista a história da ortografia da língua portuguesa. Nela é possível reconhecer três períodos distintos:
a) o período fonético, que prevaleceu até ao século XVI, e durante o qual se procurava representar foneticamente os sons da fala. São desta fase as designações que aparecem na documentação alcobacense latino-medieval “Quod”, “Cod”, “Côod”, “Quos” e “Coz”, tal como referem os historiadores Cristina Sousa e Saul Gomes. É também deste período a carta de doação de 1153 feita por D. Afonso Henriques à Ordem de Cister, na qual aparece a designação “Coz”: “quomodo partit cum ipso Andano et ferit in ipsam aquam de Coz”;
b) o segundo período da história da ortografia da língua portuguesa é designado por autores como Manuel Mendes de Carvalho por período pseudo-etimológico, e estende-se desde o século XVI até 1911. Ele caracterizou-se pela influência crescente do Latim na escrita, resultado da tendência, muito patente no Renascimento, de admiração pelos tempos clássicos e, em particular, pelo Latim. Daqui resultou o aparecimento de inúmeras consoantes duplas, o aparecimento dos grupos ph, ch, th, rh, que antes praticamente ninguém usava (o grafismo do topónimo “Nazareth” remonta a este período). Durante este período o topónimo escrevia-se “Coz” mas também já “Cós”, como aparece por exemplo em alguns documentos históricos conventuais datados de 1823;
c) o terceiro período corresponde ao período moderno, e vai grosseiramente desde 1911 até à actualidade. A proliferação das grafias complicadas e a anarquia ortográfica, cujo apogeu acontece nos finais do século XIX, levam em 1911 o Governo a nomear uma comissão para estabelecer a ortografia a usar nas publicações oficiais. Desta comissão fazia parte o insigne foneticista Gonçalves Viana, tendo a nova ortografia sido oficializada por portaria de 1 de Setembro de 1911. Esta reforma (republicana) da ortografia, a primeira oficial em Portugal, foi profunda e modificou completamente o aspecto da língua escrita. Teve, como seria inevitável, muitas reacções adversas na sociedade. É deste período o grafismo oficial de “Cós”, que até hoje se mantém.
Curioso foi o facto recente, de há talvez menos de duas décadas, de algumas instituições terem feito renascer o antigo topónimo “Coz”, talvez em virtude da sua maior simplicidade gráfica. O facto é que hoje os dois grafismos coexistem, algo erradamente portanto. Porém a nível oficial a designação correcta deverá ser “Cós” e não “Coz”. A utilização hodierna do topónimo “Coz” parece-nos todavia desculpável no contexto, se assim quisermos designá-lo, da “sociedade civil”. Isto se levarmos em conta por um lado a irrazoabilidade de se alterarem por decreto os nomes próprios de lugares (o que veio a acontecer também durante o Estado Novo), e por outro o facto de o topónimo “Coz”, além de ter uma reconhecida fundamentação histórica, ter sido poupado às “modas” latinizantes do período pseudo-etimológico.
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por Raquel Romão, Valdemar Rodrigues e J. Elias Jorge