terça-feira, março 13, 2007

O SENHOR DAS TREVAS...

Numa comunidade pequena como é o caso de São Martinho do Porto, as suas gentes vão-se acostumando a um convivio diário quase obrigatório, no quotidiano das suas vidas.
Para além dos que por força da descendência são parentes mais chegados ou mais afastados, existem aqueles outros que não sendo familia, logo pela manhã se cruzam nos pontos habituais do dia a dia.
Na praça, na padaria, no talho, na papelaria, no café , na rua, dezenas de moradores sem qualquer espécie de laço parentesco, vão-se cruzando lançando um bom dia ao vizinho, ao amigo, ao conhecido que num aceno lhes vão correspondendo ao cumprimento, ritual que se vai prolongando ao longo do dia.
Esta prática é um velho costume do nosso povo nos pequenos centros populacionais, que felizmente teima em não acabar.
É assim que toda uma população se comunica, como de uma familia se tratasse.
Verdade que uns se comunicam mais que outros, mas tambem não é menos verdade que esse facto não implica que as pessoas se ignorem. Pelo contrário.
Mais dia menos dia todos acabamos por nos preocupar uns com os outros, mesmo que não tenhamos um convivio assim tão assiduo ou tão amigável.
Depois todos temos um factor em comum, a nossa Terra, aquela que nos acolhe e onde muitos de nós, mesmo não sendo de cá naturais, escolhemos viver e educar os nossos filhos e os nossos netos. Até por eles somos diáriamente obrigados a encontar-mo-nos no infantário, na primária ou no liceu.
A vida vai correndo, ao sabor das estações que nos vão trazendo, ora sol, ora chuva, ora alegria, ora tristeza. A Primavera pouco se faz sentir dando quase de imediato lugar ao Verão que é a época por excelência de São Martinho do Porto, ponto de encontro de mais familias que por cá procuram recuperar de um ano de trabalho, intenso e saturante.
Esta Baía tem esse condão inigualável de nos fazer sentir de bem com a vida, e quando o regresso ao trabalho acontece, sentimo-nos mais fortes, mais preparados para vencer todas as contrariedaes que nos surjam. E levamos uma ansiedade imensa de que o ano passe depressa e nos voltemos a encontrar todos na mesma esquina, na mesma onda, no mesmo café.
Acabado o Verão, entra-nos pela porta dentro o Outouno, talvez a época mais controversa de todas as quatro que enfrentamos, em que as cores se transformam e o pôr do sol tem outra beleza, mais triste mas não menos belo. Não é por acaso que o romantismo mais se faz sentir nesta altura do ano. O Inverno, para alem do frio e da chuva, mais não faz do que recordar-nos que dentro em breve uma nova Primavera se avizinha.
Mas é o Outouno a época que mais nos marca. A face da nossa Vila muda-se quase radicalmente e as árvores, aquelas poucas que restam, deixam cair as suas folhas que atapetam os passeios da nossa freguesia. É nesta altura que mais nos dói o coração. Nem todos nos voltaremos a ver.
Muitos dos nossos amigos e familiares partem com as folhas para a viagem eterna onde todos chegaremos inevitávelmente.
É o cemitério da nossa Vila, um dos pontos onde voltamos a encontar-nos com maior frequência acompanhando quem parte, à sua ultima morada.
Do mesmo sangue ou não, todos fazemos parte desta Família que é São Martinho do Porto e de cada vez que cumprimos este dever sentimos que partiu um pouco de cada um de nós.
É assim que o povo sente, é assim que o povo honra os seus mortos, é assim que os homens são solidários.
Raros são aqueles que não estão presentes na despedida de um membro desta grande familia de São Martinho. Raros mas há excepções.
Por entre as excepções, lamentávelmente encontramos o Presidente da Junta de Freguesia de São Martinho do Porto, que passa normalmente ao lado destas situações.
Não só não vai como não se faz representar. Ele que precisou dos votos de todos aqueles que ali repousam. Ele que em nome deles utilizou o nome da sua última morada para sensibilizar a população para que o mantenha mais uns anitos á frente dos destinos desta Vila. Ele que por eles e por nós, não todos óbviamente, mas pela maioria foi escolhido para gerir a nossa comunidade, é precisamente aquele que menos vezes é visto quando infelizmente o ponto de encontro é o nosso cemitério. Ser solidário é coisa que nunca saberá o que é.
Talvez por isso a vida nem sempre lhe corra bem, e de tão poucas vezes que nestes momentos é visto que nos apetece chamar-lhe O Senhor das Trevas.
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Por António Inglês

6 comentários:

Anónimo disse...

curioso o texto e muito oportuno
já tinha reparado neste promenor
bem visto mas é lamentável
VENTOS DA BAÍA

Anónimo disse...

O homem anda realmente muito desaparecido, e parece que não gosta muito de cemitérios.

Anónimo disse...

Senhor das trevas, bem visto esse nome.
Esse senhor que lamentavelmente ainda é o presidente da junta só poderá estar nas trevas, depois de tanta coisa negativa que se ouve dizer.
Quando é que se vai embora ?
Quando?

Ernesto Feliciano disse...

Amigo António Inglês,
Muito bom o seu texto, e relata o que se vai ouvindo nas pessoas.
Esse sentimento que relata é verdadeiro:
- o presidente da junta ou o seu representante não tem por hábito a ida aos funeráis dos seus eleitores;
- o presidente da junta anda cada vez mais escondido.
Um abraço, e tem sempre o blog à disposição para os seus artigos.

Anónimo disse...

Amigo Ernesto
Agradeço-lhe o facto de uma vez por outra permitir que me expresse através deste seu blogue que consulto diáriamente pois é a forma de ir vendo através das suas postagens o que se vai passando pela nossa Vila e tambem para ir fazendo uma leitura mais correcta sobre a opinião daqueles que se interessam por São Martinho e vão fazendo os seus comentários.
Anónimos ou não, são muitos os que vão compreendendo o verdadeiro trabalho que o seu grupo tem vindo a fazer, ao qual pertenço, mas sem grande relevo, e que aqui vão deixando as suas opiniões de forma clara e gratificante.
Quanto ao artigo, acredite é o que me vai na alma de cada vez que infelizmente tenho estado presente em funerais e não encontre lá ninguem que represente a Junta.
Ela que nos representa a todos nós.
É uma pena mas é a triste realidade.
Um grande abraço tambem para si...
e força que está quase...
António Inglês

Ernesto Feliciano disse...

Amigo António,
O blog tem despertado muito interesse.
Através dele tenho também tentado procurar mudar a passividade que se fazia sentir na população de Sâo Martinho.
O número de visitas diárias e os diversos comentários, demonstram que a população está atenta e interessada num novo rumo para a sua terra.
Se calhar estavam apenas adormecidos.
Um abraço, e estou à espera do seu próximo artigo.