O SENHOR DAS TREVAS...Numa comunidade pequena como é o caso de São Martinho do Porto, as suas gentes vão-se acostumando a um convivio diário quase obrigatório, no quotidiano das suas vidas.
Para além dos que por força da descendência são parentes mais chegados ou mais afastados, existem aqueles outros que não sendo familia, logo pela manhã se cruzam nos pontos habituais do dia a dia.
Na praça, na padaria, no talho, na papelaria, no café , na rua, dezenas de moradores sem qualquer espécie de laço parentesco, vão-se cruzando lançando um bom dia ao vizinho, ao amigo, ao conhecido que num aceno lhes vão correspondendo ao cumprimento, ritual que se vai prolongando ao longo do dia.
Esta prática é um velho costume do nosso povo nos pequenos centros populacionais, que felizmente teima em não acabar.
É assim que toda uma população se comunica, como de uma familia se tratasse.
Verdade que uns se comunicam mais que outros, mas tambem não é menos verdade que esse facto não implica que as pessoas se ignorem. Pelo contrário.
Mais dia menos dia todos acabamos por nos preocupar uns com os outros, mesmo que não tenhamos um convivio assim tão assiduo ou tão amigável.
Depois todos temos um factor em comum, a nossa Terra, aquela que nos acolhe e onde muitos de nós, mesmo não sendo de cá naturais, escolhemos viver e educar os nossos filhos e os nossos netos. Até por eles somos diáriamente obrigados a encontar-mo-nos no infantário, na primária ou no liceu.
A vida vai correndo, ao sabor das estações que nos vão trazendo, ora sol, ora chuva, ora alegria, ora tristeza. A Primavera pouco se faz sentir dando quase de imediato lugar ao Verão que é a época por excelência de São Martinho do Porto, ponto de encontro de mais familias que por cá procuram recuperar de um ano de trabalho, intenso e saturante.
Esta Baía tem esse condão inigualável de nos fazer sentir de bem com a vida, e quando o regresso ao trabalho acontece, sentimo-nos mais fortes, mais preparados para vencer todas as contrariedaes que nos surjam. E levamos uma ansiedade imensa de que o ano passe depressa e nos voltemos a encontrar todos na mesma esquina, na mesma onda, no mesmo café.
Acabado o Verão, entra-nos pela porta dentro o Outouno, talvez a época mais controversa de todas as quatro que enfrentamos, em que as cores se transformam e o pôr do sol tem outra beleza, mais triste mas não menos belo. Não é por acaso que o romantismo mais se faz sentir nesta altura do ano. O Inverno, para alem do frio e da chuva, mais não faz do que recordar-nos que dentro em breve uma nova Primavera se avizinha.
Mas é o Outouno a época que mais nos marca. A face da nossa Vila muda-se quase radicalmente e as árvores, aquelas poucas que restam, deixam cair as suas folhas que atapetam os passeios da nossa freguesia. É nesta altura que mais nos dói o coração. Nem todos nos voltaremos a ver.
Muitos dos nossos amigos e familiares partem com as folhas para a viagem eterna onde todos chegaremos inevitávelmente.
É o cemitério da nossa Vila, um dos pontos onde voltamos a encontar-nos com maior frequência acompanhando quem parte, à sua ultima morada.
Do mesmo sangue ou não, todos fazemos parte desta Família que é São Martinho do Porto e de cada vez que cumprimos este dever sentimos que partiu um pouco de cada um de nós.
É assim que o povo sente, é assim que o povo honra os seus mortos, é assim que os homens são solidários.
Raros são aqueles que não estão presentes na despedida de um membro desta grande familia de São Martinho. Raros mas há excepções.
Por entre as excepções, lamentávelmente encontramos o Presidente da Junta de Freguesia de São Martinho do Porto, que passa normalmente ao lado destas situações.
Não só não vai como não se faz representar. Ele que precisou dos votos de todos aqueles que ali repousam. Ele que em nome deles utilizou o nome da sua última morada para sensibilizar a população para que o mantenha mais uns anitos á frente dos destinos desta Vila. Ele que por eles e por nós, não todos óbviamente, mas pela maioria foi escolhido para gerir a nossa comunidade, é precisamente aquele que menos vezes é visto quando infelizmente o ponto de encontro é o nosso cemitério. Ser solidário é coisa que nunca saberá o que é.
Talvez por isso a vida nem sempre lhe corra bem, e de tão poucas vezes que nestes momentos é visto que nos apetece chamar-lhe O Senhor das Trevas.
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Por António Inglês