sábado, junho 09, 2007

Lenda do Lago



N'aquela tarde calma. Fora a pesca abundante,
Sant’António do seu nicho, assiste vigilante
À faina. Os pescadores largam já d’amarra
E, como o mar manso,lá vão de proa à barra
Alegremente em fila, o porto demandando.
O leme vai na orça, velozes vão passando
Na linha da “ carreira “. Em frente da capela;
O Santo vai contando, um por um, vela por vela.

O sol é posto já. Traiçoeiro a refrescar
O vento aflige o Santo e atormenta o mar.
Toldou-se o céu também, logo a terra escureceu
E no regaço o Santo Jesus adormeceu.
Já nas ondas envergam os novelos d’espuma
Mas, na conta das velas, inda falta uma!
Nos lábios d’António, trémulos d’amargura
Alguma praga ao mar, entre as preces se mistura.

Um ponto branco, ao sul, lá longe entre a procela,
Traz rumo aproado, à alvura da capela.
O bom do Santo ao ver, esse asa de gaivota
Que, tão audaz procura. A linha da derrota,
Empalidece, e treme, temendo-lhe o destino.
Não se atreve porém a acordar o seu Menino.
E murmura: “Jesus, Senhor! A vaga é tão alta”
“E aquela vela é, a mais pequena que me falta”

Enquanto Dura a luta, entre o mar e a vela
António nota já, não ser deserta a capela.
Uma pobre mulher, nos degraus ajoelhada
Cinge contra o seio, uma cabecita dourada;
No seu ardente olhar e nos olhos da criança,
O ponto branco brilha, como um farol d’esperança
E o pescador afoito, aproa sempre a vela
Ao vulto da mulher, à brancura da capela

O mar redobra a fúria, é um leão rugindo
E tranquilo Jesus, no regaço vai dormindo;
Mas avistando o pano, roto já p’la rajada
A cabecita d’ouro exclama apavorada:
“Ó mãe? Ó minha mãe?”
“É o meu pai, quelá vem?!
”N’isto; o Menino acorda e mui mal humorado,
O aio santo increpa, de sobrolho carregado;
“O que foi isto António?” – “Quem foi que se atreveu?
”O Santo aponta a medo, a vela, o mar, o céu.

Nos olhos da mulher, onde a vela é agravada
Uma lágrima... Uma pérola pendurada.
Desvairado ao vê-la, implora Sant’António:
“Senhor... fazei bonança... O mar é um demónio... “
Jesus serenamente, do nicho então desceu,
Com uma mãozita em concha, a pérola colheu,
O seu rosado braço, enérgico balança
E às ondas infernais, a humilde jóia lança.

Depois... sorriu ao Santo com divino afago
E no mar, defronte da capela, fez-se um “lago”
.

Um Pescador
(o autor destes versos é desconhecido, sendo atribuído a um pescador da época)

17 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro Ernesto

Acho que o Menino Jesus devia passar menos horas a dormir e olhar mais para S. Martinho do Porto.
Esta lenda tem a magia das lendas e empresta a S. Martinho do Porto o encanto de alguém que a escreveu sem deixar imortalizado o seu nome.
Pena que os azulejos onde está escrita tenham sido vandalizados e ninguém os permita restaurar.
Um abraço
António Inglês

Cipriano Simão disse...

Caro Ernesto

Aprecio muito que tivesse colocado aqui, no seu blog, este poema de autor desconhecido que conta, de forma tão bela, o hipotético milagre do Menino, que justifica a existência do "Lago", aquela antecâmara da baía, onde os barcos se podem já começar a abrigar do mar tormentoso.
Aprecio muito, porque temos tendência a não ligar ao que nos rodeia, de tão habituados estarmos à sua existência e assim esquecemos as nossas próprias características culturais, enquanto povo.
Aquele poema é um hino à perigosa labuta no mar e ao sofrimento das famílias em terra, um testemunho de crença profunda e religiosidade cristã e um tributo ao Santo António que intercede pelos homens junto do poder divino.
Embora antigo, nada disto está longe do que vivemos ainda hoje e, por isso, nesta época de festividades a Santo António de Lisboa, foi muito bom que nos fizesse reler este poema.
Por mim, os meus agradecimentos.
Cipriano Simão

Anónimo disse...

Amigo Ernesto, mas que boa escolha! Esta lenda é lindíssima e nem sabemos quantos anos terá...
Como diz o nosso amigo António é pena os azulejos estarem no estado em que estão. Mas o que me preocupa mais, é que ninguem se propõe a restaurar nada. Se repararem no azulejo lateral, que tambem tem um poema, já lhe faltam imensos pedaços!
Pergunto: durante quanto tempo conseguiremos ainda visualizar alguma coisa? Espero que muito...

Sou "sonhadora" e acho que ainda vai apareçer alguma "alma iluminada" e com poder para isso,que se lembre de contactar o IPAR, ou qualquer outra instituição e consiga fundos para fazer um restauro à Capela, ao Cruzeiro e ao Farol.
Beijinhos

Anónimo disse...

Amiga aramis

Quero rectificar uma afirmação tua, se não te importas.
É que já apareceu alguém que quis restaurar aqueles azulejos. A Direcção da Casa da Cultura a que pertenci tentou em vão restaurá-los. Para o efeito contactamos em primeiro lugar a Junta de S. Martinho, em segundo a Câmara Municipal e em terceiro o IPAR.
Quero dizer-te que os obstáculos que nos foram levantados foram de tal ordem que acabámos por desistir.
Aliás, a única entidade que tem realmente poder para efectuar esse restauro (penso), informou-nos que "eles e só eles, o poderiam fazer".
Já lá vão uns bons seis/sete anos.
É o país que temos minha cara.
Quanto á lenda, está transcrita no blog do Ernesto, mas para os mais distraídos, informo que esta lindíssima lenda, pois que é disso que se trata, foi igualmente publicada no AlcobaçaGenteseFrentes, colaborando desta forma na promoção e divulgação do nome de São Martinho.
São assim dois pelo menos os blogs que fazem eco de tão lindo poema.
Um grande abraço e um beijinho para ti.
António Inglês

António Inglês disse...

http://porentremontesevales.blogspot.com/

Meu caro Ernesto

Anote este novo blog à sua agenda de visitas
Um abraço e até amanhã
José Gonçalves

Ernesto Feliciano disse...

Amigo António,

Esta lenda é linda, e ainda desconhecida de muita gente que vive em São Martinho.

A ideia do nosso colega da blogosesfera, José Gonçalves, foi deveras oportuna na colocação no blogue Alcobaça: Gentes e Frentes.

Se reparar presentemente, já não é só os azulejos onde estão escritos estes versos se encontram vandalizados, também já desapareceu um dos sinos da capela (na foto ainda constam os dois).

Mais, o nicho de Santo António, perto da capela, também deveria ser alvo de uma recuperação e limpesa.

Um abraço.

Ernesto Feliciano disse...

Amigo Cipriano,

Obrigado pelas suas palavras.

Este poema é de facto muito bonito, e espelha a vida sofrida dos pescadores, bem como a agonia de quem em terra espera por eles.

Infelizmente, esta lenda, não é ainda do conhecimento de todos os nossos habitantes.

E se a leitura for no próprio local, ainda valoriza mais o poema, pois conseguimos perceber na perfeição o que nos relata.

Ernesto Feliciano disse...

Amiga Aramis,

É verdade o que diz.

Mas como disse anteriormente, toda aquela zona precisa de er requalificada.

Tanto capela, como as zonas envolventes, incluíndo o cruzeiro.

São miradouros de excelência da vila.

Ernesto Feliciano disse...

Amigo José,

Já tive oportunidade de visitar o seu novo blogue, e de lhe deixar um comentário.

Desejo muitas felicidades ao seu blogue e muitos artigos para todos nós os visualizarmos.

Um abraço de força e de felicidades.

Ernesto Feliciano disse...

Nem mais, amigo António, foi o nosso amigo José que iniciou a divulgação desta maravilhosa lenda na blogosesfera.

Anónimo disse...

Caríssimos

Estou com dois dias de atraso em relação a todos vós 

Efectivamente esta lenda é muito bonita e desconhecida de muita gente. Curiosamente, eu só tomei conhecimento da sua existência, num dia de Promessas dos escuteiros. Depois da cerimónia, é costume realizar-se um almoço, após o qual, normalmente se organizam actividades, juntando os escuteiros e os pais. Nesse ano, organizou-se um jogo de vila, em S. Martinho.

Para quem desconhece, o jogo de vila é uma espécie de “rally paper”, mas percorrido a pé, onde os participantes têm de percorrer um trajecto, passando por pontos de interesse cultural.
Estes pontos, representam cada uma das etapas a percorrer, servindo de postos de controlo e, simultaneamente, permitindo encontrar o caminho para a etapa seguinte, mediante a descoberta das respostas a um questionário referente aos pontos em questão, ou descobrindo as pistas que são deixadas pela organização.

Foi durante a realização de um jogo destes, em que participei com muito entusiasmo com outros pais e “outros filhos”, que tomei conhecimento desta lenda.

Mas qual não foi o meu espanto, quando verifiquei que, para resolver o enigma que se deparava à minha equipa, e que aos adultos requeria a leitura atenta de todo o poema, foram dois elementos, de 7 e 9 anos, que mais rapidamente encontraram as pistas para a solução.

Pois é!... Os pequeninos, já conheciam a lenda por ocasião de outras actividades realizadas com os escuteiros.

A partir daquele momento, compreendemos que os pequenitos, eram os melhores guias e cicerones que poderíamos ter, apesar de todos nós pensarmos que conhecíamos muito bem a vila e estávamos muito bem informados.

Relatando este acontecimento, pretendo apenas dizer que foram crianças de 7 e 9 anos que fizeram “as honras da casa”, com um entusiasmo indiscritível, apresentando-nos coisas que, a nós adultos, nos estavam a “passar ao lado”.

Para mim, foram o exemplo mais concreto de que podemos contar com os jovens … até para o turismo!...

Um abraço

Kamikase

Anónimo disse...

Amigo Ernesto,
Quero chamar a atenção para o seguinte: os pinheiros vão tornar-se uma lenda se não fizermos nada...
Reparei hoje de manhã que tanto os pinheiros que estão junto ao parque infantil como os que foram colocados na marginal +- ha 3 semanas,estão "doentes" e não vão medrar.Segundo uma versão de um grupo que estava perto, chama-se a ferrugem do pinheiro, ou seja se for ver eles ficam muito castanhos na copa,de baixo para cima, terminando com algum mas já muito pouco verde em cima.
Tem de se tomar uma atitude qualquer! Não sei junto de quem, mas tem de ser mudados, pois essa dita doença é desde que nasçem...
Já nem falo no executivo da Junta, pois dizem sempre que não tem nada a ver com as obras de requalificação, mas o Ernesto descobrirá decerto uma forma de chegar às pessoas responsáveis.
Aconselho-o a dar uma espreitadela, até faz dó!
Beijinhos

rendadebilros disse...

Que lenda deliciosa...

Anónimo disse...

É linda esta lenda.
É óptima a ideia do Ernesto em divulgar "pequenas coisas" que muitas pessoas não conhecem e que fazem parte do espólio cultural de SMP.
Tal como o amigo Kamikase, já conhecia esta lenda, através do tal jogo de vila organizado pelos Escuteiros.
Mas quantas lendas, tradições, locais de interesse, haverá ainda por descobrir? Pelos menos para aqueles, como eu, que apenas disfrutam de SMP ao fim de semana?
O blog do Ernesto é, sem dúvida um óptimo meio de divulgação e debate.
Obrigada
Vera Cruz

Ernesto Feliciano disse...

Amigos: Kamikase, Renda de Bilros e Vera Cruz,

Esta lenda é de facto muito linda.

E urge dá-la a conhecer a todos, e se possível numa ida à Capela de Santo António.

Um abraço.

Ernesto Feliciano disse...

Amiga Aramis,

Relativamente à questão dos pinheiros, sei que aquando da colocação destes últimos na avenida Marginal, alguns foram logo destruídos dado estarem doentes – continham a lagarta do pinheiro.

Pelo que me informei, alguns dos pinheiros que ficaram, também possuem esse parasita, pelo que não sei também se a melhor solução não será mesmo a sua substituição.

Relativamente à questão da “ferrugem” do pinheiro.

A questão da colocação dos pinheiros na Marginal, já por mim foi abordada várias vezes.

Apesar de não ser técnico na área, constato que provavelmente o pinheiro não será a espécie indicada para a Marginal.

Basta verificar os pinheiros à entrada de São Martinho, pelo lado de Salir, que apesar de estarem mais abrigados, já denotam uma tonalidade muito castanha.

Ernesto Feliciano disse...

Amigo Kamikase,

Os jovens são o futuro.

Temos que cada vez apostar mais na juventude.